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Breves Comentários sobre a “Prova Diabólica” no Âmbito do Direito Processual Civil

Por: Jan Grunberg Lindoso

Imagem gerada por DALL-E da OpenAI

A Prova Diabólica

No complexo cenário do direito processual civil, existe uma expressão que desperta curiosidade e debate entre juristas e estudantes: a “prova diabólica”. Essa expressão não se refere a uma prova sobrenatural ou mística, mas sim a um desafio jurídico enfrentado no contexto da produção de provas em processos judiciais. Neste breve artigo, exploraremos o significado e as implicações da “prova diabólica” no direito processual civil.

Em linhas gerais, a “prova diabólica” refere-se a uma situação na qual uma das partes em um processo judicial é confrontada com a dificuldade ou impossibilidade prática de produzir determinada prova que seria crucial para seu caso. Isso pode ocorrer por uma variedade de razões, tais como a inacessibilidade dos meios de prova, a ausência de documentos ou testemunhas, ou a natureza sigilosa das informações necessárias.

Um exemplo clássico de “prova diabólica” é quando uma parte busca comprovar a ocorrência de um fato específico que somente ela tem conhecimento, mas que não pode ser comprovado por meio de outros meios de prova disponíveis. Por exemplo, em um litígio envolvendo a quebra de um contrato verbal, pode ser extremamente difícil para a parte autora provar os termos exatos do acordo, uma vez que não há documentos escritos que o registrem.

Diante dessa dificuldade, o sistema jurídico enfrenta o desafio de equilibrar o direito à prova e o princípio do contraditório, garantindo que a parte que se encontra em desvantagem não seja prejudicada de forma injusta. Nesse sentido, o juiz desempenha um papel crucial ao avaliar as provas apresentadas pelas partes e decidir sobre a admissibilidade e valor probatório de cada uma delas.

Imagem gerada por DALL-E da OpenAI

Para lidar com situações de “prova diabólica”, o ordenamento jurídico prevê algumas alternativas e soluções. Uma delas é a aplicação do ônus da prova dinâmico, que permite ao juiz redistribuir o ônus probatório entre as partes com base na facilidade ou dificuldade de obtenção da prova em questão. Além disso, o juiz pode recorrer a presunções legais ou fatos notórios para suprir lacunas na prova apresentada pelas partes.

  É importante ressaltar que a “prova diabólica” não deve ser confundida com a impossibilidade absoluta de produção de provas. Em muitos casos, mesmo diante de desafios significativos, é possível encontrar meios alternativos de prova que permitam às partes apresentar suas alegações de forma adequada. Cabe ao juiz garantir que o processo seja conduzido de maneira justa e equitativa, assegurando o direito das partes à produção de provas e à ampla defesa.

  Em suma, a “prova diabólica” representa um dos muitos desafios enfrentados no campo do direito processual civil, exigindo dos operadores do direito criatividade, diligência e senso de justiça para garantir que as partes tenham acesso a um processo justo e equitativo. Ao compreender as complexidades desse conceito, os advogados, juízes e estudantes de direito podem contribuir para o aprimoramento do sistema jurídico e a efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos.

O entendimento da jurisprudência sobre a chamada “prova impossível” ou “prova diabólica” reflete a preocupação do sistema jurídico em garantir a efetividade do direito à prova e o princípio do contraditório, mesmo diante de desafios significativos enfrentados pelas partes em um processo judicial.

  Em muitos casos, os tribunais têm adotado uma abordagem flexível e pragmática para lidar com situações em que uma das partes se encontra em desvantagem devido à impossibilidade prática de produzir determinada prova. Isso pode incluir a redistribuição do ônus da prova entre as partes, a aplicação de presunções legais ou fatos notórios, ou a aceitação de outros meios de prova que possam fornecer indícios ou elementos de convicção sobre os fatos controvertidos.

  No entanto, é importante ressaltar que a jurisprudência também estabelece limites claros para a aplicação da chamada “prova impossível”. Situações em que não há qualquer possibilidade de produção de prova ou em que a parte que detém o ônus da prova não realiza esforços razoáveis para obtê-la podem resultar na desconsideração das alegações ou na imposição de ônus processuais à parte negligente.

  Assim, o entendimento da jurisprudência sobre a “prova impossível” busca conciliar a busca pela verdade real com o respeito aos princípios fundamentais do processo justo e equitativo. Ao reconhecer os desafios enfrentados pelas partes na produção de provas, os tribunais demonstram sensibilidade para com as complexidades do mundo real, buscando garantir que a justiça seja alcançada de maneira eficaz e equânime.

Vejamos alguns precedentes dos nossos tribunais superiores:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. CDC. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. VERIFICAÇÃO DE VEROSSIMILHANÇA. PROVA NEGATIVA. IMPOSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. “A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não é automática, dependendo da constatação, pelas instâncias ordinárias, da presença ou não da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor” ( AgInt no AREsp 1.749.651/SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19/4/2021, DJe de 21/5/2021). 2. “É firme a orientação deste Tribunal Superior no sentido de que é inviável a exigência de prova de fato negativo” ( AgInt no AREsp 1.206.818/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 2/5/2018). 3. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no AREsp: 2271223 SP 2022/0400857-0, Relator: RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 22/05/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2023)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. ÔNUS DA PROVA. AUTOR. FATO CONSTITUTIVO. ART. 373, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PROVA NEGATIVA (DIABÓLICA). EXTREMAMENTE DIFÍCIL OU IMPOSSÍVEL DE PROVAR. FATO NEGATIVO. NÃO CABIMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cabe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15. 2. Configura-se prova negativa (diabólica) a que for extremamente difícil ou impossível de provar, como no caso de fato negativo, sendo proibida no ordenamento jurídico. 3. Recurso CONHECIDO e DESPROVIDO. Sentença mantida. (TJ-DF 20160710157686 DF 0014983-55.2016.8.07.0007, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Data de Julgamento: 21/02/2018, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/03/2018 . Pág.: 251/254)

APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA NEGATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA CONFIGURADA. 1. A distribuição do ônus da prova deve ser feita de forma equilibrada, não se podendo cogitar que se chegará a uma solução justa atribuindo-se a produção de prova diabólica a uma das partes, ainda mais quando evidente que uma delas possui melhores condições de produzir a prova necessária ao deslinde da causa. 2. No caso, resta caracterizada a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, tendo em vista que o magistrado, ao entender que a parte apelante deveria ter produzido a prova quanto à não disponibilização dos autos administrativos, acabou por impor produção de prova negativa, quase impossível, pois, de se produzir. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO. PREJUDICADO O EXAME DO RECUSO. UNÂNIME. (TJ-RS – AC: 70073456873 RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Data de Julgamento: 26/07/2017, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 11/08/2017)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – IPAJM- PROVA DIABÓLICA- EXIGÊNCIA DE FATO NEGATIVO- IMPOSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO 1) A jurisprudência usa a expressão prova diabólica, outrossim, para designar a prova de algo que não ocorreu, ou seja, a prova de fato negativo. No entanto, existem situações em que a prova do fato é impossível ou muito difícil para ambas as partes – é bilateralmente diabólica. É o que MARINONI chama de situação de inesclarecibilidade. (Jr., Didier Fredie – Curso de Processo Cível . Vol. 2- ed. Jus Podvm pág. 88); 2) Na hipótese dos autos, exigir da recorrente a prova do não recebimento do termo de opção pelo correio configuraria verdadeira prova diabólica. E na verdade, nenhum processo pode ser considerado equitativo se nele se exigir a realização de uma prova diabólica.  (José Miguel Garcia Medina, Novo Código de Processo Civil Comentado, 3.ed., 2015, p. 390). 3) Recurso conhecido e provido (TJ-ES – APL: 00034197420118080024, Relator: WALACE PANDOLPHO KIFFER, Data de Julgamento: 19/09/2016, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/09/2016)

Conclusões

As conclusões da jurisprudência sobre a chamada “prova impossível” ou “prova diabólica” no Código de Processo Civil de 2015 refletem uma abordagem equilibrada e flexível para lidar com situações em que uma das partes enfrenta dificuldades significativas na produção de determinada prova. Algumas das conclusões principais incluem:

  Aplicação do Ônus Dinâmico da Prova: Os tribunais têm reconhecido a possibilidade de aplicação do ônus dinâmico da prova, que permite ao juiz redistribuir o ônus da prova entre as partes com base na facilidade ou dificuldade de obtenção da prova em questão. Isso permite uma maior flexibilidade na condução do processo e ajuda a garantir que a parte menos favorecida não seja prejudicada injustamente.

  • Valorização de Outros Meios de Prova: A jurisprudência tem valorizado a utilização de outros meios de prova além da prova direta, como testemunhal, documental ou pericial. Isso inclui a consideração de indícios, presunções legais e fatos notórios que possam fornecer elementos de convicção sobre os fatos controvertidos.

  • Respeito ao Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa: A jurisprudência tem reafirmado a importância do princípio do contraditório e da ampla defesa na condução do processo, garantindo que ambas as partes tenham a oportunidade de apresentar suas alegações e contestar as provas produzidas pela parte adversa.

  • Limites para a Aceitação da Prova Impossível: Embora reconheça a existência de situações em que a produção de determinada prova pode ser extremamente difícil ou até mesmo impossível, a jurisprudência estabelece limites claros para a aceitação dessa impossibilidade. Situações em que não há qualquer esforço razoável para obtenção da prova ou em que a parte negligenciou suas responsabilidades processuais podem resultar na desconsideração das alegações ou na imposição de ônus processuais.

  Portanto, as conclusões da jurisprudência sobre a chamada “prova impossível” no CPC 2015 refletem uma preocupação em conciliar a busca pela verdade real com o respeito aos princípios fundamentais do processo justo e equitativo. Ao adotar uma abordagem flexível e pragmática, os tribunais buscam garantir que a justiça seja alcançada de maneira eficaz e equânime, mesmo diante de desafios significativos enfrentados pelas partes na produção de provas.